Por Marcellus Nishimoto
Traduzir aspectos emocionais ou conceituais em roupas pode se transformar em exercício árduo e equivocado em mãos inexperientes. Mas é função inegável que, diante do dilúvio de informações visuais da contemporaneidade, esse diálogo entre a audiência e as formas necessita de um interlocutor. De acordo com o que vimos hoje no primeiro dia do Cerrado Fashion Week, no Centro Cultural Octo Marques, em Goiânia, Marcos Queyroz é coerente no seu discurso. E isto é formado a partir do resgate de seus valores emotivos intransferíveis, mas reconhecíveis, tais como arquétipos. Ele trabalha o que acharíamos óbvio, subvertendo-os em originalidade. A dualidade e a contraposição, o abstrato e o figurativo, o brando e o agitado, o conceitual e o comercial. Possivelmente a utilização de uma cartela de cores leves e claras, tão desgastadamente próprias do verão, é somente pano de fundo para outros exercícios em que forma e texturas são os objetivos. E estes jogos de superfícies e sobreposições foram a grande solução de styling, orientado para a proposição de novas construções de conjunto e afirmação de uma identidade. E este aspecto da identidade, tão caro e determinante para qualquer estilista, se torna cada vez mais coerente na própria marca. Seu inverno já dava sinais para essa direção, num trabalho de alfaiataria mais consciente. Agora, as medidas da alfaiataria são subvertidas em peças em branco, preto, pérola, verde esmeralda, amarelo e rosa pálido. Proporções em conflito, frentes longas, costas curtas, o formal e o esportivo, masculino versus feminino, brilho e superfícies opacas, a malha, a renda guipure e a tricoline. Chapéus de pescadores estampados são pura sombra e desejosos. O trabalho de estamparia em tecido plano assina sempre cada coleção de Marcos Queyroz. E aqui fica a cargo do designer e ilustrador Rodolfo Capuzzo que traz experiência para criação de estampas para outras marcas. Concebidos em sua viagem à Buenos Aires em meados deste ano, seus desenhos longe dos olhos formam estruturas abstratas, duplos opostos, rememorando os testes psicológicos de Hermann Rorschach. E aí a grande sacada, intuitiva ou não, entre a associação do tema "Respingos da Vida / Vínculos do Amor" (um flerte também a "action painting" de Jackson Pollock) e a estamparia: uma interpretação objetiva, em imagens, de sentimentos abstratos e íntimos que construímos ao longo de nossas relações afetivas em resposta ao que somos e pretendemos. E dos detalhistas desenhos figurativos de Capuzzo vão se criando repetições, adamascados antigos e visões da tradição. Embalado sobre a trilha sonora de Hugo Siqueira (delicadamente reflexiva), composta também em Buenos Aires, podemos dizer com franqueza que Marcos Queyroz construiu em sua coleção a sua visão particular da tradição. E abre-se o novo. Mais uma vez.
Direção criativa: Marcos Queyroz
Styling: Lê Nishimoto e Leandro Porto
Beleza: Jésus Lopes e João Pedro
Estampas: Rodolfo Capuzzo
Chapéus: "A Chapeleira Maluca" por Carla Carvalho
Fotos: Bruno Karim
Modelos: Global, Mega e Voga